terça-feira, 30 de outubro de 2007

A guitarra surrada de Cat Power no Rio de Janeiro

Ainda na onda do TIM FESTIVAL, decidi publicar este texto que escrevi há alguns anos sobre um show de Chan Marshall, a Cat Power, no teatro do SESI, aqui no Rio de Janeiro em 2001. Cat Power se apresentou na edição deste ano do Tim Festival. Não faço idéia de como foi o show dela, e não venho acompanhando seus últimos discos por algum motivo, mas na época o show dela me agradou bastante. No palco eram só ela e a guitarra, não havia banda. Beleza de show. Agradeceria se nos comentários vocês postassem sobre como foi o show recente que ela fez no TIM Festival.

Antes de falar sobre o show sensacional da Cat Power no teatro do SESI do Rio de Janeiro, permitam-me fazer uma breve introdução. Conheci Cat Power no Lado-B MTV, com o clipe "Nude as the news," e fiquei interessado no ato. Poucas semanas depois, vi "Crossbone Style" e me rendi de vez, comprando dois de seus melhores discos, "What would the community think" e "Moonpix," ambos sensacionais. E não é que por um golpe do destino, Chan Marshall, a Cat Power, marcou um show para o Rio de Janeiro no ápice de meu interesse por ela? Ingresso barato, em um lugar tranquilo e fácil de chegar... comprei o ingresso, é claro. Fim da introdução.

O Show foi parte do festival "Algumas Pessoas Tentam a Todocústico" promovido pelo selo Midsummer Madness. Cheguei cedo, sentei na primeira fila, num dos melhores lugares do teatro.Foi dali mesmo que tive que aturar o show de abertura da banda "Luísa mandou um beijo." Podia ter sido um beijo menos demorado, nada contra a banda, mas a vocalista é um desastre, que não devia se preocupar tanto em imitar a Paula Toller (péssima influência, por sinal). Depois entrou a excelente banda "Cassino," e aí sim vi um show de verdade. Bom, mas vamos ao que interessa...

Antes de Chan entrar, fomos avisados que as luzes do teatro permaneceriam acesas, pois ela gosta de ver o público. Legal, né? Um tanto estranho para uma pessoa com fama de ser tão tímida. O engraçado é que como as luzes não se apagaram, o teatro inteiro foi pego de surpresa quando aquela figura de cabelos compridos cobrindo o rosto, de roupas simples e trazendo um guitarra surradíssima a tiracolo entrou no palco da forma mais displiscente possível. Metade do teatro continuou batendo papo, sem sequer notar que alguém havia subido ao palco. Enquanto ela mesmo plugava sua guitarra no amplificador, a outra metade do teatro estava na dúvida se ela era a Cat Power ou uma roadie dela. Isso durou, é claro, até ela se aproximar do microfone e atacar a primeira música.

Não reconheci a música de abertura. "Deve ser do disco de covers dela," eu pensei. Mas... que barulho era aquele? Deus, aquela guitarra fazia um chiado horroroso... Palavras não podem descrever o aspecto asqueroso da guitarra, sabe aquela sua guitarra com mais de dez anos de idade, que você deixou na casa de seu primo que toca banjo e não cuida bem nem dos instrumentos dele? Sim, era óbvio que a guitarra tinha problemas. A guitarra irritava bastante, mas a voz... que coisa maravilhosa.

Veio a segunda música que eu também não conhecia. "Será que ela vai tocar American flag?" eu me perguntava. Isso até ela terminar a música. Quando a terceira música começou, eu já não dava a mínima para o fato de nunca ter ouvido essas músicas antes. Três músicas bastaram para que eu percebesse que estava presenciando um show muito especial.

Dizem que Cat é tímida, vai ver que é por isso que ela emenda uma música atrás da outra, para fugir dos aplausos. Mas quando o chiado da guitarra tornou-se insuportável, ela teve que parar, e aí os aplausos vieram. Cat, muito sem jeito, sorriu e levou na esportiva. Ela mudou de posição no palco, trocou de amplificador, mas não adiantava. Claro que a culpa era da guitarra, que já devia estar aposentada a pelo menos uns cinco anos... "Da próxima vez trago outra guitarra," ela disse constrangida. O público riu, e ela acabou rindo também.

E lá se foram várias músicas desconhecidas. Passei uma semana ouvindo "community" e "moonpix" decorando todas as letras, e agora ela não tocava nada desses discos. Como eu podia estar gostando tanto do show? Aquela guitarra não parava de chiar...Que tipo de espetáculo bizarro era aquele? Lá estavam todos os elementos de um show medíocre, e eu lá, achando aquilo o máximo .

Pelo meio do show, Cat Power parecia contaminada pelo clima da platéia, que levava as falhas técnicas na esportiva, rindo. A guitarra chiava cada vez mais alto, Cat errava várias notas, recomeçava músicas, pigarreava e trocava a letra das músicas...Não parece bom, não é? Mas foi. Lá estava Chan, tocando uma cover de Satisfaction, pulando o refrão de propósito. Lá estava Chan, tocando knocking on heavens door, e fazendo a melhor imitação que já vi da ridícula "dança da serpente" de Axl Rose, arrancando risos de todos. E lá estava Chan, tocando "King Rides By," uma de minhas faixas favoritas de "community."

Entre essas músicas, foram inúmeras as interrupções para tentar melhorar o som da guitarra. Cat mudou de posição no palco, mudou a fiação, apagaram as luzes... Não adiantou, a culpa era mesmo da guitarra (que surpresa...). Chan se desculpou várias vezes, mas o público estava bem humorado, e até a tímida cantora ria e fazia graça dos próprios erros. Foi assim até a última música do show, muito chiado, notas erradas... Cat fechou o show com com uma música nova, e estava visivelmente perdida nela, tocando completamente errado. No meio da música ela desistiu e disse sorrindo, "bem, a música ainda não está pronta." O público riu e aplaudiu o esforço de Cat enquanto ela deixava o palco de um modo hilariante. Ela parecia uma pessoa comum e bobona, como qualquer outra.

Ao fim do espetáculo, Cat fez a gentileza de voltar ao palco e receber todos os fãs. A simplicidade da coisa toda, o show de pouca produção, a forma como Chan andou naturalmente em direção aos fãs, fazia parecer que ela era uma amiga sua da faculdade que acabara de tocar umas músicas e vinha lhe perguntar se você gostou. Simples assim: sem pompas, sem estrelismos, como todo bom músico deveria ser. Faz pensar no show pomposo e mega-editado da Ivete Sangalo no maracanã.

Ela autografou meu encarte do Moonpix, dei um abraço nela e a beijei no rosto. Eu queria dizer para ela o quanto gostei do show, mas fui meio que pego de surpresa pela simplicidade da coisa toda e só consegui articular um patético "Thank You".

Só na saída do teatro, me toquei: "Ih, ela não tocou Crossbone style." Mas e daí? Dias depois, como eu imaginava, li várias críticas negativas sobre o show. "O som estava horrível! Cat errou notas! Que guitarra barulhenta!" Não sou um desses puristas que defendem a volta do vinil, mas dizer que um chiado de guitarra arruinou um espetáculo como aquele é coisa de gente que não sabe o que é rock n'roll, e acha que música só tem graça em CD. Mas boa música é boa música até em radinho de pilha.

Chiado? Que chiado?

2 comentários:

tHe HeAdSHakEr disse...

Cat Power - eu não vi mas imagino - fez o oposto aos megashows atuais. Foi, talvez, buscar inspiração em Woodstock, que sim, foi mega, é histórico, mas não tinha nada de superprodução superprofissional como os de hoje.
Erros "fazem parte" (até os propositais).
Basta uma boa voz, letras sinceras e a viagem...

Anônimo disse...

Cara, você tem um fã.