O que dizer da noite de ontem, na Marina da Glória? Que a tenda do palco Volta não tinha ventilação, estava um calor dos infernos e que não havia ar-condicionado? Que havia todo tipo de pessoa com roupas e chapéus esquisitos, se achando o máximo da modernidade? Que um copo d'água custava quatro reais e que na metade do show já tinha acabado a coca-cola?
Eu poderia falar disso tudo, mas prefiro falar do que me fez gastar 360 pratas para fazer parte desse caos todo: o show da Bjork. Paguei essa pequena fortuna por dois ingressos para a melhor noite da minha vida - depois do meu casamento e da minha lua-de-mel, claro, senão a esposa me bate. Além do mais, o segundo ingresso foi pra ela, que mesmo detestando a Bjork ensaiou uma simpática alegria durante o show para me agradar. Coisas do amor.
Eu e minha esposa chegamos na Marina da Glória com duas horas de antecedência, o que, convenhamos, foi um exagero. Tudo bem que a fila cresceu depois que chegamos, mas depois que a gente entrou tinha que fazer outra fila para botar pulseirinha, outra fila pra mostrar pulseirinha, ou seja, todo mundo acabou se misturando, independente da hora em que chegou. De qualquer maneira, a fila estava divertida: os adolescentes espinhentos filmando outros adolescentes espinhentos na fila iam ver os Artic Monkeys, e a turma com camisa da Dorothy do Mágico de Oz, roupas cor-de-rosa e penteados esquisitos ia ver a Bjork. Menos eu, mauricinho, de jeans e camisa de botão. E minha esposa, gatíssima, mas careta como eu. Cara, como foi difícil encontrar uma mulher dessas.
As figuras na fila mereciam um post à parte: metade se vestia de maneira exótica (como o sujeito de cartola e pantufas/botas/sei-lá de dinossauro), e achava isso moderno. Francamente? Tremenda babaquice. Às pessoas dizem que isso é ter personalidade. Pra mim, ter personalidade é não ter que se vestir de dinossauro encantado para lembrarem de você. Já os carecas bigodudos da fila merecem os parabéns: dava pra ver que os caras se sentiam à vontade com aquele visual no mínimo esquisito. Pareciam caras legais. Não, eu não sei se eram gays, mas minha esposa jura que eram.
Depois que entramos e passamos pelas quinhentas filas extras para pulseiras, fomos lá pra frente do palco - digamos que ficamos na terceira fila, a primeira já estava tomada por aqueles fãs que imitam até os gestos da Bjork no palco. Eu entendo, a Bjork mexe mesmo com as pessoas, mas tem uma turma que pega pesado - tipo o cara que quase teve um pixilique quando o Mark Bell entrou no palco para dar uma checada no seu Mac.
Mas antes disso teve o show do Anthony and the Johnsons... bom, o que dizer dos caras? Difícil. A mim não incomodaram nem agradaram, passou meio que em branco. Minha esposa quase dormiu. Injusto falar mal dos caras, porque definitivamente eles estavam fazendo show no lugar errado. Aquele tipo de música naquele tipo de lugar, com todo mundo em pé, não rola, como o próprio vocalista, muito simpático, admitiu com bom-humor. O sujeito me pareceu talentoso, mas tenho que ouvir o disco para fazer um julgamento honesto. Pelo que eu vi - ou melhor, pelo jeito que eu vi o que eu vi, não dá para avaliar.
Sem falar que, a essa altura, o calor do lugar já beirava a insanidade. Eu que sou friorento suava em bicas - passei o show inteiro lembrando daquelas cem pratas que estavam no bolso da minha camisa, sem coragem de verificar se elas haviam sido arruinadas pelo meu suor. Minha esposa, então, que sua até tomando banho, devia estar quase morrendo. E mesmo assim, quando eu olhava para ela preocupado, ela tratava de ensaiar o sorriso simpático que falei. Era falso, mas apreciei o esforço.
Poucos minutos depois do show do pobre Anthony o palco estava pronto. E aí as luzes se apagaram. E aí o coral islandês, vestindo roupas esquisitas, entrou. E aí a Bjork entrou. E aí, meu chapa, eu tive a sensação de que a coisa mais incrível da minha vida estava acontecendo.
O sujeito ao meu lado - aquele que pirou na do Mark Bell - já estava tendo crises. Até eu achei que ia dar um pití, mas não quis constranger a esposa. "Earth Intruders" foi simplesmente perfeita para a abertura do show. Do repertório do novo disco, "Volta", a música tem uma força impressionante ao vivo, coisa que eu ainda não tinha captado no disco. Incrível ver a Bjork dando aqueles gritos, ali, tão perto. Geralmente quando algo te emociona você fica parado, com aquela cara de babaca, mas ali foi diferente: eu me emocionava enquanto pulava, gritava, dançava, tudo ao mesmo tempo, coisa de louco.
Na sequência, "Hunter". Cara, totalmente alucinante, inacreditável a performance. A voz da Bjork estava incrível, e ela sambava e mexia os braços daquele jeito frenético... No meio da música, o gnomo islandês lançou o que pareciam teias das mãos, e todo mundo pirou. Tem um vídeo que um camarada botou no youtube que ficou perfeito - espero que não tenha sido feito pelo sujeito com bota de dinossauro, eu ficaria muito sem jeito de reproduzir o vídeo dele aqui depois de ter malhado o sujeito:
"Pagan Poetry" quase me fez chorar, mas homem não chora, e a gente segura para não parecer maricas. Impressionante como as pessoas cantavam, aos berros, as letras difíceis e de ritmos impossíveis da Bjork. Quando ela entrou com "Unravel" foi a coisa mais linda que eu já vi. E o sujeito do meu lado deu o maior pixilique que eu já vi também. Espetacular. A música, não o pixilique.
"The Pleasure is all Mine", do difícil de digerir "Medulla", caiu como uma luva na sequência. Outra música em que só ali caiu a ficha, nunca tinha me ligado nela. "Jóga" arrepiou geral, parecia que o mundo ia começar a girar ao contrário, que nem no filme do Superman.
Mas foi quando entrou aquela batida bizarra de "Army of Me" que o mundo parou mesmo. Pra mim foi tranqüilamente o melhor momento do show, mas obviamente isso é muito subjetivo. Pra mim, foi o momento máximo. Nunca me sacudi tanto na vida. Uma das razões pelas quais eu não gosto de dançar é que eu me sinto meio idiota me sacudindo com aquelas músicas cheias de frases bobas. Só a mesmo a Bjork pra me fazer dançar e cantar ao mesmo tempo. A música colocou todo mundo num transe-chacoalhante, foi no mínimo estranho. Até minha esposa deu uma dançadinha, um barato essa garota.
Depois disso ainda teve muita coisa boa: "Innocence", "Hyper Ballad" e outros bichos, mas a essa altura a Bjork já podia até ter saído do palco, porque o jogo já estava ganho. No calor senegalesco desse deserto com ar-condicionado quebrado e água a quatro reais, a miragem daquele show da Bjork começava a se desfazer, e a nós, fãs, restava voltar para casa cabisbaixos, conjecturando sobre qual seria nossa próxima oportunidade de nos sentirmos tão vivos como naquela noite. Inesquecível.